segunda-feira, 30 de julho de 2012

Muito Longe de Londres ou Rio de Janeiro


O esporte brasileiro está prestes a mostrar ao mundo seu valor. Logo após o fim da epopeia londrina, precisamos focar em definitivo nos megaeventos esportivos que vamos organizar ao longo do próximo ciclo olímpico. Enquanto esperamos a conquista de medalhas e performances expressivas em Londres (2012) e no Rio de Janeiro (2016), existe um outro lado do esporte brasileiro que não aparece na mídia esportiva nacional. Uma realidade bem diferente e incoerente com as intenções de trazer os Jogos Olímpicos e Paralímpicos para nossas terras a fim de, entre outras coisas, fomentar a prática do esporte em todas as suas dimensões (sócio-educativa, lazer ativo, promoção de saúde e qualidade de vida, alto rendimento e entretenimento popular). Quando nos afastamos dos grandes centros do país, o que observamos é a total disparidade entre as honrosas conquistas e demonstrações de superação de nossos atletas olímpicos e paralímpicos e aquilo que se propõe e que se pratica nas demais regiões.

Vou dar o exemplo do basquetebol sergipano. Quando cheguei aqui em Aracaju, em 2006, para ser professor da Universidade Federal de Sergipe, não tinha planos de voltar a trabalhar com esporte. Mas, no ano de 2008, exatamente uma década afastado da modalidade, me deparei com a inevitável situação de assumir a disciplina Metodologia do Basquetebol na UFS. Paralelamente, resolvi aceitar o convite de alguns alunos e assumi a direção da equipe universitária de basquetebol. De início, a ideia era apenas a participação nos Jogos Universitários Brasileiros, mas logo veio o interesse de participar de outras competições, como o Campeonato Estadual Adulto.

No dia da estreia no Estadual, me senti constrangido quando o árbitro principal da partida veio a mim e solicitou o pagamento da taxa de arbitragem antes que a partida se iniciasse. O pagamento era feito ali na quadra, na frente de todo mundo. Parecia que estávamos pagando propina aos árbitros! Durante os anos em que fui atleta e técnico no Rio de Janeiro, nunca passei por situação similar. As taxas de arbitragem eram pagas ao final do mês pelo clube, contabilizando o número de partidas disputadas em cada faixa etária e em função das categorias dos árbitros.

Mas aqui em Sergipe não existem clubes participando dos campeonatos, e quem faz o esporte de base são as escolas. Algumas delas...aliás, somente quatro escolas participaram dos campeonatos estaduais de base este ano. A Federação Sergipana de Basketball (FSB) tem apenas três filiados, sendo uma escola e dois clubes, mas estes clubes não oferecem o basquetebol em sua grade de atividades aos sócios. Em um deles inclusive, o teto do ginásio desabou em 2006 e nunca mais foi restaurado. É difícil administrar o esporte se a Federação não tem arrecadação. E em função da ausência dos clubes, para organizar a tabela do campeonato, a FSB precisa contar com a nem sempre possível disponibilidade de quadras em escolas, no Sesc/Sesi ou no Ginásio Estadual (enorme e sempre vazio para nosso público). Os jogos acontecem em rodada única, todos na mesma quadra. Não temos jogos ocorrendo concomitantemente em vários ginásios. Isso afeta até o número de árbitros no quadro da Federação. Não adianta ter árbitros demais se os jogos são raros.

Apesar da FSB ser a única federação esportiva aqui no Estado com toda sua documentação em dia (mérito do atual presidente, um especialista em contabilidade), a captação de recursos via patrocinadores tem se tornado escassa. Assim, se não há recursos, não há como haver muitos jogos. Vejam só a situação:

Campeonato Estadual Sergipano 2012
Categoria
Equipes Participantes
Total de Jogos Previstos
Partidas Disputadas pelo Campeão
Sub-15 Feminina
2
Melhor de 5 partidas
3
Sub-17 Feminina
3
3
2
Sub-15 Masculina
6
10*
4
Sub-17 Masculina
5
10**
4
          *Um dos jogos foi WO;
**Houve um WO e por isso outras duas partidas não foram realizadas.

Pois é. Além de não termos campeonatos sub-13 e sub-19, a quantidade de jogos disputados pelos nossos times é absurdamente baixo. Claro que não é só isso. As equipes também disputam jogos escolares (pelo menos três outras competições no ano), mas em geral com adversários muito inferiores e com regulamento adaptado por razões financeiras (tempo de jogo de quatro períodos de 8 minutos corridos, por exemplo). Fica complicado fazer com que nossos técnicos, atletas e árbitros se desenvolvam adequadamente com esta situação.

Em relação à categoria sub-19, as escolas só jogam até a sub-17, e como não temos clubes, quando o atleta chega aos 18 anos, não tem mais onde jogar. No campeonato adulto, nenhum clube oficial participa. Eventualmente alguma escola resolve participar, às vezes com atletas demasiadamente jovens para este tipo de torneio. Os times são criados entre amigos que pagam do próprio bolso a confecção dos uniformes e a taxa de inscrição no campeonato, e ainda por cima, a FSB condiciona a participação da equipe à presença de um técnico. Ou seja, os raros que se habilitam à função, têm que trabalhar de graça, pois não há perspectiva de receber salário.

Há pouco tempo atrás, pensei em criar um projeto de extensão na UFS para viabilizar a detecção de talentos esportivos. Mas, se encontrar um jovem com potencial esportivo interessante, vou encaminhá-lo para onde se não temos clubes? Acho que o papel do esporte escolar é meramente a detecção de talentos, não sua promoção ou desenvolvimento. E não creio que possamos desenvolver talentos fazendo uma meia dúzia de jogos ao ano.

O pior de tudo é saber que esta realidade não é exclusividade nem do basquetebol e nem mesmo do Estado de Sergipe. Esse foi só um exemplo para mostrar a cruel realidade que o país dos próximos Jogos Olímpicos terá que enfrentar.

Se você passa por situação semelhante, comente aí embaixo!

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Nosso Basquete Feminino

O basquete feminino brasileiro já viveu seu momento de maior expressão da modalidade no mundo. Durante uma década inteira, os corações basqueteiros daqui se orgulharam das conquistas do Panamericano de Havana (1991), o Campeonato Mundial na Austrália (1994), e das medalhas de prata nos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996), e bronze em Sidney (2000).
 
 
 
Infelizmente, com a virada do milênio, parece que o esporte brasileiro perdeu seu brilho e seu status. Apesar das constantes participações nos torneios olímpicos, nunca mais alcançamos o pódio nas principais competições do mundo. O que tem acontecido?
 
Sabemos que o esporte feminino não obtém a mesma oportunidade na mídia esportiva, e isso não é só no Brasil. A cobertura da imprensa para os jogos femininos da NCAA ou da WNBA, assim como de nossa ainda jovem Liga de Basquete Feminino (LBF), é muito modesta. De que maneira isso reflete sobre a qualidade do trabalho desempenhado nas quadras? Penso que muito. A CBB passou por mudanças administrativas que ainda não surtiram os efeitos desejados e que podem fazer o hino nacional ser ouvido novamente na cerimônia de premiação dos Jogos Olímpicos. Não conheço profundamente o trabalho do atual técnico, Luís Cláudio Tarallo, apenas vi seu currículo mais recente no site da própria CBB, e fica óbvio que lhe falta experiência. Mas esta experiência só se adquire com o tempo e as responsabilidades de tomar decisões.
  
Não gostei do fato da seleção feminina ter tido um grande rodízio de treinadores durante este ciclo olímpico, pois isto impede a determinação de uma filosofia de trabalho e padrão de jogo no longo prazo. Estas coisas não se resolvem do dia para a noite, portanto o técnico precisa de tempo para trabalhar. Faz parte de seu trabalho assistir aos jogos e competições, receber e interpretar as informações de atletas que jogam no exterior, acompanhar as divisões de base para que se possam identificar aquelas atletas que podem fazer parte da seleção alguns anos depois. Preparação olímpica ocorre constantemente, não apenas próximo à competição.

Vi numa entrevista da diretora do basquete feminino da CBB, a ex-atleta Hortência Marcari, que a intenção da instituição é dar vivência neste tipo de competição ao treinador Tarallo, para que em 2016 ele esteja em plenas condições de obter resultados mais expressivos. Temos que analisar isso de duas formas diferentes. Uma é que este é o início de um novo processo, de renovação da estrutura do basquete feminino brasileiro, e que diante do atual quadro, acertadamente estamos sacrificando os Jogos de Londres 2012 para nos prepararmos de fato para o ciclo seguinte. Correto. A outra análise é por que deixamos escapar o que tínhamos de concreto nos anos 1990? Será que um título mundial e duas medalhas olímpicas não eram suficientes para mobilizar variados projetos de iniciação esportiva, em especial entre meninas, no basquetebol brasileiro? Por que o esporte brasileiro é tão dependente de “momentos extraordinários” ou “gerações espontâneas de atletas” e não baseado em uma linha de trabalho que permita continuidade?
 
O curioso é que na América do Sul, ainda não temos adversárias. Mesmo países com contínuos trabalhos de qualidade no masculino, como Argentina, República Dominicana, Porto Rico ou Venezuela, não conseguem montar equipes femininas que exijam da seleção brasileira um esforço diferenciado para vencer as partidas. Urge a necessidade do Ministério do Esporte, do Comitê Olímpico Brasileiro, da Confederação Brasileira de Basketball e da Escola Nacional de Treinadores de Basquetebol trabalharem em conjunto para que sejam traçados os planos para o futuro do basquete feminino no Brasil. Acho que o mundo da bola laranja espera isso de nós.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

A Formação de Técnicos Desportivos no Brasil


Em breve fecharemos um ciclo de 10 anos de realização de eventos esportivos de grande porte em nossas terras. Desde 2007, quando foram celebrados os Jogos Panamericanos e Parapanamericanos do Rio de Janeiro, recebemos a incumbência de sediar Jogos Mundiais Militares, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Com tanto investimento público e privado, seria bastante natural que as críticas enfatizassem a questão do legado que fica para a cidade- ou país-sede, e uma das dimensões debatidas é o legado esportivo. Em relação a isso, não podemos nos limitar a pensar sobre o que fica depois dos Jogos, mas sim sobre aquilo que é feito antes dos Jogos.

Neste sentido, muito tem sido comentado sobre a formação dos atletas em nosso país (independentemente de modalidade), e a preparação de nossas equipes para disputar os não tão distantes Jogos Olímpicos de 2016. Na época da 2ª Guerra Mundial, Winston Churchill expressava que quem falha ao se preparar, prepara-se para falhar. Entende-se, portanto, que o planejamento é a base de tudo. Esta etapa precisa ser alimentada pela experiência dos envolvidos e pela interpretação dos dados coletados ao longo de anos, sempre alicerçados por um instinto visionário e estrategista. Já debatemos aqui no blog sobre a importância da formação de árbitros e dirigentes, que são elementos essenciais para o desenvolvimento do esporte, mas precisamos também nos debruçar sobre a formação dos formadores de atletas, em todos os níveis e etapas do processo.

Mas onde devem se formar os treinadores esportivos? Parece que a resposta é simples, mas de fato não é. As faculdades da educação física em boa parte do país sofreram modificações em seus currículos e projetos pedagógicos que acabaram por desvalorizar uma formação mais específica de seus egressos, partindo para algo mais generalista e superficial. Hoje posso afirmar que, salvo raras e louváveis exceções, nenhum técnico esportivo é formado pura e simplesmente nos nossos cursos. Se ao menos uma base teórica for estabelecida no âmbito da vida acadêmica universitária, cursos complementares tornar-se-ão o caminho obrigatório para o encerramento de sua formação. A Escola Nacional de Treinadores de Basquetebol (ENTB) foi uma boa iniciativa. Não se iludam, pois ela não resolverá por definitivo os problemas do nosso esporte, mas certamente ajudará (e muito!) a darmos um passo mais consolidado nesta perspectiva.

É necessário que haja núcleos da ENTB em cada Estado viabilizando um acesso mais estreito à informação, com grupos de debates e apresentações de trabalhos, de modo a fazer com que os reais problemas e dificuldades enfrentadas pelos atuais treinadores venham à tona e que as possíveis soluções surjam com mais embasamento. A regionalização dos problemas e das soluções deve ser respeitada para que ninguém pense que a ideia que deu certo em São Paulo, Brasília ou Rio de janeiro, vai funcionar perfeitamente em Sergipe, Alagoas ou Rondônia.

A formação dos formadores de atletas precisa ser a prioridade nesta etapa do processo, se não vamos continuar nacionalizando estrangeiros para cobrir as lacunas deixadas por nossas próprias falhas. No entanto, duas palavrinhas têm de estar na ordem do dia: planejamento e paciência. Pra que tudo isso dê certo, temos que esperar o momento certo para cobrar os resultados. E convenhamos, paciência nunca foi uma característica do esporte brasileiro...


                                                    “Se você quer ter resultados diferentes no futuro,
                                                     tem que começar a fazer coisas diferentes agora!” 
                                                                                    (Paulo Emannuel da Hora Matta)