sexta-feira, 24 de maio de 2013

Maturidade Esportiva


Muito se falou sobre a confusão gerada ao final da partida entre São José e Flamengo, válida pela fase semifinal do NBB 2012/13, ocorrida nesta quinta-feira. Por outro lado, pouco se falou sobre o jogo em si, visto que a briga protagonizada por atletas e membros de ambas as comissões técnicas obteve um impacto muito mais elevado nos noticiários e nas opiniões dos diversos amantes do esporte nas redes sociais. Com frequência os termos “barbárie”, “bagunça”, “lastimável”, “vergonha”, “confusão”, “papelão”, “ridículo”, entre vários outros podem ser lidos nos comentários e postagens on line.

O basquetebol brasileiro tem dado mostras de ganho de qualidade tanto do ponto de vista técnico-tático, como nos aspectos extraquadra. A organização da principal competição do país tem sido bem recebida e com boa dose de credibilidade. Há muito a se melhorar, mas penso que focar demasiadamente naquilo que falta, significa desconsiderar aquilo que já foi (ou está sendo) feito. O episódio em destaque no momento é uma prova disso. O jogo (que não pude assistir, mas li as matérias e os comentários) parece ter sido um clássico jogo de playoff de alto nível: do começo ao fim acirrado, intenso, ou como se diz na gíria esportiva, “pegado”. Eduardo Agra, ex-jogador e ex-técnico, e hoje comentarista da TV Espn, rotineiramente agrega um adjetivo às faltas mais duras que ocorrem nesta fase eliminatória do campeonato da NBA: “Esta foi uma típica falta de playoff!”.  Pois é. Espera-se um jogo mais físico e mentalmente mais desafiador para quem chega até lá. E o desafio mental parece ser justamente o ponto nevrálgico do atleta brasileiro, infelizmente uma característica não exclusiva dos “basquetebolistas”.

Nos espelhamos na NBA para termos uma fórmula de disputa similar; uniformes com modelos (cortes e designs) parecidos; premiações e jogos festivos no melhor american style possível; mascotes que agitam as torcidas e alegram a garotada; intercâmbio com atletas e treinadores estrangeiros; mas ainda nos falta aprender a superar o “mental challenge”. O basquete americano é famoso por seu hábito de fazer o chamado “trash talking”, ou seja, as provocações verbais quem nem sempre são flagradas pela captação de áudio das incontáveis câmeras de TV. 

Kevin Garnett e Kobe Bryant, típicos "trash talkers"
Atleta brasileiro tem muita dificuldade de lidar com este tipo de situação. Lá na América de cima, as provocações resultam em intimidação emocional do adversário, que se vê subjugado, ou no sentido oposto, servem de combustível emocional para fazer saltar o “olho de tigre”, expressão popularizada nos primeiros filmes de Rocky Balboa.

Recentemente, o New York Nicks vencia a série do playoff contra o Boston Celtics por 3 a 1. O quinto jogo era em Nova Iorque, e tudo indicava que a classificação seria consolidada no Madison Square Garden frente à sua fanática torcida. Para apimentar a disputa, dois jogadores dos Nicks sugeriram que o time todo deveria ir para o ginásio vestindo agasalhos pretos, como se estivessem lá para “celebrar” o funeral do Celtics. Os companheiros de equipe curtiram a ideia, e assim foram vestidos. 
Jogadores do NY Nicks vestidos para o "funeral do Celtics"


Houve provocação? Sim, sem dúvida. De mau gosto até, visto que poucas semanas antes a cidade de Boston ganhava as manchete nos noticiários internacionais por conta as explosões de duas bombas durante a tradicional Maratona de Boston (OK, fiquem à vontade para desconsiderar esta minha enviesada opinião de torcedor dos Celtics...). Mas, enfim, qual foi o efeito disso sobre os jogadores? Uma devastadora atuação que levou à vitória dos Celtics, e que prorrogou a série em mais uma partida.

E na América de cá, o que houve? Provocações provavelmente muito mais simples conduziram a uma absurda briga no NBB. Não vou falar dos personagens envolvidos na confusão, porque sinceramente acho que não merecem nem mesmo ser citados. Experiência e serenidade não andam juntas no esporte brasileiro. Não dá pra provocar sem esperar resposta. Mas os limites devem ser respeitados. “Se não sabe brincar, não desce pro playground!”.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

O Fim de uma Era?


Semana passada (pra minha tristeza) o time do Boston Celtics foi eliminado da atual temporada da NBA após perder para o time do New York Nicks, mesmo diante de sua aficionada torcida. A eliminação ocorreu numa partida absolutamente improvável de se repetir. Não vi o jogo, mas cheguei em casa e comecei a correr as postagens no twitter. Os comentários não eram nada agradáveis. Os Celtics iniciaram o último quarto do jogo perdendo por uma longínqua diferença de 26 pontos. Eduardo Agra, comentarista da ESPN chegou a postar “Boston is done”. Contudo, algumas postagens mais a frente mostravam a reação do time dirigido por Doc Rivers. E então, cerca de 5 min depois, os times estavam separados por apenas seis pontos (chegou a cair para quatro pontos, faltando apenas 3 min e 50 s). Bom, infelizmente essa fantástica reação não foi suficiente para evitar a derrota e o fim da história. E é aí que temos uma situação em aberto. Dois dos principais jogadores da equipe nos últimos anos completam este em 2013, 36 anos (Paul Pierce) e 37 anos (Kevin Garnett). Ambos estavam bastante emocionados ao final do jogo.

Kevin Garnett fazendo flexões de braço no jogo contra Miami Heat (2011-12)

Muitos comentários sobre o time apontam para o fim de uma era em Boston. Garnett, ao final da temporada anterior dava clara intenção de continuar mais um ano na equipe. Seu contrato, inclusive, possui uma cláusula que o impede de ser negociado para outro time. Mas, segundo o técnico Doc Rivers, este ano parece diferente. Ao que tudo indica, as chances de vê-lo fazendo flexões de braço no meio da quadra são bem menores agora.

Paul Pierce foi cogitado para uma troca durante a janela de transferências da Liga. Mas ficou em Boston. Aliás, nunca saiu de lá. São 14 anos como atleta profissional, todos dedicados à franquia de Massachusetts. Como a NBA exerce controle sobre os investimentos máximos das equipes (uma inteligente estratégia para manter a possibilidade de equilíbrio), a saída de Paul “The Truth” Pierce pode abrir espaço para a contratação de outros jogadores. Mas, trocar de time ou parar de vez?


Paul "The Truth" Pierce

Acho Paul Pierce um jogador espetacular, muito acima da média. De Kevin Garnett sou fã mesmo! E por conta disso, apesar de gostar de vê-los em quadra, torço para que saibam parar no auge da carreira, mesmo com aquela certeza de poder jogar mais uma temporada ainda. E espero poder assistir um jogo do Celtics em pleno TD Garden e ver os números #5 e #34 pendurados nas flâmulas no alto do ginásio. Números aposentados são uma das maiores honrarias que um jogador pode receber. Ao menos no esporte jogado na América de cima. 






Flâmulas com números aposentados do Boston Celtics
Será que um dia, aqui na América de baixo, teremos camisas penduradas no ginásio com os números que outrora foram usados por nossos ídolos de todos os tempos? Tá na hora de prestar homenagens àqueles que fizeram (e ainda fazem) o basquetebol tão cheio de surpresas e encanto em nossas quadras. Não podemos permitir que estas eras se acabem sem deixar vestígios!



quinta-feira, 14 de março de 2013

Técnicos vs Entrenadores


Há poucas semanas atrás, li alguns comentários em blogs e redes sociais, criticando a contratação de técnicos estrangeiros para dirigir clubes brasileiros, e declarando que torceria contra estes times. A justificativa é a aparente desvalorização dos treinadores brasileiros em relação aos de outros países. Precisamos buscar um meio termo entre os sentimentos de xenofobia e colonização. É chato saber que um conhecido perdeu o emprego para um estrangeiro. Mas será que ficaríamos aliviados se ele tivesse perdido o cargo para outro brasileiro? Qual o mal que nos faz ter treinadores estrangeiros em nossos clubes? Será que não há nada a aprender com estes profissionais?

O basquetebol brasileiro passou três ciclos olímpicos (2000, 2004 e 2008) assistindo os Jogos pela TV. E quando voltamos em 2012, foi sob o comando de um argentino (Rubén Magnano), que por sinal, substituiu um espanhol (Moncho Monsalve). Ao longo dos anos recentes, diversos atletas de clubes brasileiros se acostumaram a ouvir instruções em outra língua que não a portuguesa. Atualmente duas equipes do NBB possuem técnicos espanhóis. E já tivemos argentinos, uruguaios e porto-riquenhos na função. Nos faltam cursos de formação ou de aprimoramento para técnicos no Brasil. A Escola Nacional de Treinadores de Basquetebol foi um bom projeto, mas parece ter sido esquecido e perdido seu rumo. Clínicas e oficinas ministradas por treinadores brasileiros em geral são direcionadas à iniciação esportiva (mesmo quando quem as ministra não trabalha na iniciação, e sim no alto nível). Nossos treinadores não têm o hábito (infelizmente) de escrever livros. Ou seja, de que maneira será viável o aprendizado e a formação de novos treinadores, e a atualização daqueles que já estão plenamente engajados no ofício?

Alguns de nossos profissionais buscam uma formação continuada no além-mar, visitando centros de treinamento e fazendo cursos de técnico na Europa e EUA. Não seria mais barato e acessível aproveitar a longa estadia de um treinador estrangeiro para observar atentamente sua maneira de trabalhar? Penso que esta é uma oportunidade interessante para nossos treinadores (iniciantes ou experientes). A direção da equipe não se limita a definir o time titular, os tipos de defesa e as jogadas ensaiadas. Há muito mais por trás disso. Estilo de liderança, opções estratégicas, determinação de posturas, atitudes e normas de deslocamentos tanto na defesa como no ataque, são informações vitais para compor um sistema tático. Quem os acompanhar mais de perto, poderá aprender outros exercícios e métodos de treinamento.

Será que em nosso almoxarifado de informações não há espaço para novidades? Será que estas nem mesmo existem?  Temos treinadores de alto gabarito, vários deles eventualmente fora das vitrines. Por isso, não acho que devemos substituir todos. Mas também não vejo com maus olhos que de tempos em tempos se quebre a homeostase e se veja as coisas com outros olhos, sotaques e línguas.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O Legado dos Treinadores Brasileiros


Mais uma vez o tema “legado” volta às nossas discussões. Tenho tido uma imensa preocupação com o “day after” das nossas megaventuras esportivas internacionais dos próximos três anos. Desta vez, o foco é sobre os treinadores esportivos brasileiros. O que nos deixam de legado? Em anos recentes tivemos a (ingrata) oportunidade de ler e ouvir críticas sobre estes profissionais, que eles não estudam, que eles não se atualizam, etc, etc. Isso não é verdade! Não sei quanto às outras modalidades, e até tendo a desconfiar que isso seja um fato no futebol, por exemplo, mas no basquetebol brasileiro posso afirmar sem medo de errar que nossos treinadores estudam e se atualizam. Cada um a sua maneira, a maior parte sempre busca informações para aprimorar seu conhecimento e melhorar a performance de seus atletas e equipes.

As formas de atualização contemplam desde a maciça participação em cursos, clínicas e estágios não só no Brasil como também no exterior, até a aquisição de livros, acesso a sites e participação em grupos de discussão de técnicos via e-mails ou redes sociais. Vários treinadores detém a arte de perceber as mudanças surgidas no estilo de jogo de equipes diferentes ao assistir os campeonatos internacionais pela televisão ou in loco. Estes profissionais não são torcedores que vão aos ginásios para admirar jogadas espetaculares, mas sim profundos observadores da tática, da estratégia, do uso dos fundamentos e do comportamento de técnicos, atletas e árbitros, elementos que visam à melhora do seu rendimento profissional.

Por tudo isso acima, não concordo com a crítica de que nossos treinadores não estudam. Nossos treinadores leem bastante. Só não escrevem. Essa, para mim, é a principal falha. É onde permitimos escapar gradativamente a oportunidade deixar um legado esportivo para as gerações atuais e futuras do esporte brasileiro. Temos treinadores de alto nível nas mais variadas modalidades esportivas, mas com raríssimas exceções, nenhum publica seus conhecimentos. Certa vez, conversei com um treinador de basquetebol sobre a possibilidade de ele escrever um livro sobre seu aprofundado conhecimento do esporte e ele se sentiu quase ofendido, chegando a perguntar se eu era maluco! A razão apresentada por ele para a recusa era que ele não queria “entregar o ouro para o bandido”. Pois é...será que esse é mesmo o espírito? Será que essa é a razão para não “mostrarmos o que fazemos de verdade na quadra”?

Penso que isso tenha um fundo cultural. Nos EUA, por exemplo, é praticamente uma questão de honra e prestígio no meio profissional mostrar o que se sabe e o que se faz. É mais do que comum os treinadores publicarem artigos e livros, alimentarem sites e grupos de discussão, e até possuírem canais de vídeo no Youtube, dando dicas de ensino de fundamentos, de táticas defensivas e ofensivas, e tudo mais. Mostrar o que sabem nunca foi considerado por lá “entregar o ouro ao bandido”! No de 1994, o então técnico do Chicago Bulls, Phil Jackson, esteve no Rio de Janeiro para participar de um evento e ministrou uma aula teórica e outra prática demonstrando com detalhes o sistema de jogo ofensivo que ele adotava em sua equipe (triangle offense). Não foi algo superficial para tapear os espectadores e fingir que os ensinava. Foi legitimamente o ataque do Chicago Bulls. Quem assistiu às aulas e costumava ver o time jogar, sabe que não faltou nada sobre o assunto.

Digite qualquer elemento do jogo de basquete no Google ou no Youtube e você descobrirá uma infinidade de sites, livros, artigos e videoaulas bem explicadas e detalhadas sobre seu assunto. No Brasil, com exceção do livro “Basquetebol: sistemas de ataque e defesa” do Prof.º Walter Carvalho e do livreto (sem editora ou ISBN) “Os dez mandamentos do basquetebol moderno” do Prof.º Waldir Boccardo, todos os demais treinadores que publicaram livros por aqui se dedicaram à iniciação esportiva, mesmo aqueles que só trabalham com o alto rendimento.

O Brasil, como uma pretensa potência olímpica em desenvolvimento, precisa aprender a passar a informação que adquiriu ao longo dos anos pelos mais variados meios para multiplicar e perpetuar o conhecimento.


Livros citados: 

CARVALHO, W. Basquetebol: sistemas de ataque e defesa. Rio de Janeiro: Sprint, 2001.

BOCCARDO, W. Os dez mandamentos do basquetebol moderno. (encomenda via www.bolar.com.br)