Acabei de ler
o livro “Dream Team” do jornalista
americano Jack McCallum. O livro apresenta como subtítulo “O time que mudou o
jogo”. Obviamente, o livro versa sobre a seleção americana de basquetebol dos
Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992. A cada capítulo, um universo bastante
diferente de informações é destacado, e em função disso, cabe perguntar: eram
eles atletas ou artistas? O que faziam exatamente nos Jogos Olímpicos? Declarações da época indicavam que o torneio de verão seria tratado como férias
olímpicas. E pelo visto, foi isso mesmo. Não havia preocupação com jogos ou
adversários (exceto a Lituânia), nada de horários rígidos para dormir ou se
levantar, nada de fiscalização sobre as atividades noturnas, sociais e etílicas
do grupo. Os chamados “dreamers”
jogaram muito mais pôquer e golfe do que basquetebol na Espanha. Ainda assim,
os adversários não fizeram nem sombra, sendo invariavelmente derrotados por uma
média superior aos 40 pontos de diferença, o que denota o imenso distanciamento
do esporte profissional americano do resto do mundo à época.
A concepção de
time dos sonhos pode ser interpretada de várias maneiras. Penso que a
participação de alguns jogadores como Larry Bird, por exemplo, deveu-se mais ao
conceito de time dos sonhos do que o mérito da época. Pra se ter uma ideia, ao
ser perguntado sobre a possível aposentadoria após os Jogos, Bird respondeu “Já estou aposentado faz tempo; vocês é que
ainda não perceberam!”. Ele não tinha condições físicas de jogar devido a uma
lesão lombar crônica. Mas isso não importava. Não haveria um time dos sonhos
sem Larry Bird no elenco. Na verdade, este time mais parecia a reunião dos Três
Mosqueteiros (Magic Johnson, Larry Bird e Michael Jordan) e D’Artagnan (Charles
Barkley). Pelo menos, assim eles se manifestavam.
A entrada dos
profissionais da NBA mudou um tanto quanto a ótica (hipócrita) do Comitê
Olímpico Internacional acerca do impedimento da participação de atletas
profissionais. Vários atletas de diferentes modalidades já eram
profissionais do esporte há tempos, mas não recebiam esta alcunha. A partir
disso, muita coisa mudou no cenário esportivo internacional. Contudo, a ideia
de que o Dream Team modificou o jogo
é para mim apenas parcialmente verdadeira. Acredito que outros dois times
anteriores a este foram os responsáveis iniciais pela grande mudança do
esporte: Brasil (Jogos Panamericanos 1987) e URSS (Jogos Olímpicos 1988).
Os Jogos Panamericanos
surgiram em 1951 e os EUA ganharam ouro nas primeiras cinco edições do torneio
de basquetebol. A primeira vez que isso não aconteceu foi em 1971, em Cali, por
conta de um desempenho abaixo do normal. Em sua campanha, os EUA venceram o
Suriname por 80 pontos de diferença, e o Brasil na prorrogação (81 x 79), mas perderam
para Cuba (69 x 73), sendo eliminados pelos critérios de desempate ainda na
primeira fase da competição. O resultado foi tão fraco que apenas três
jogadores foram mantidos na equipe que veio a perder a controversa final Olímpica
em Munique no ano seguinte. Cabe destacar que apesar disso, 17 dos 21 atletas destas
duas competições tornaram-se profissionais da NBA ou da ABA. O Brasil sagrou-se
campeão naquele ano. As três edições seguintes dos Jogos foram voltaram a
representar a hegemonia do basquetebol norte-americano, com mais três ouros
conquistados. Até que chegamos em 1987, em Indianápolis, considerada na ocasião
uma espécie de “Capital Mundial do Basquetebol”.
A final
colocava frente a frente os donos da casa e a equipe brasileira, comandada pelo
técnico Ary Vidal, um dos principais estrategistas do basquetebol brasileiro. Na
volta do intervalo, o Brasil perdia por 15 pontos de diferença e dava clara
impressão de que a situação já estava decidida. No segundo tempo, porém, os
arremessos certeiros de Oscar Schmidt e Marcel de Souza reverteram o resultado
e definiram o placar do jogo: EUA 115 x 120 Brasil. Essa foi a primeira vez que
o basquetebol americano foi derrotado em seu próprio país.
Um ano depois, os Jogos
Olímpicos de Seul (1988) marcaram o retorno das nações polarizadas pela guerra
fria e parcialmente ausentes nos Jogos de Moscou (1980) e Los Angeles (1984).
EUA e URSS se encontraram nas semifinais, e apesar de novamente contar com um
elenco repleto de futuros astros da NBA, os EUA perderam a chance de brigar
pelo ouro: URSS 82 x 76 EUA, e precisaram se contentar com o bronze. Este time soviético formou a base da equipe da Lituânia em 1992, e, por esta razão, foi a única equipe em Barcelona a ganhar pequenas doses de preocupação do técnico Chuck Daly e sua trupe dos sonhos.
Até então, a
geração de David Robinson vinha sendo marcada pelo fracasso nas competições
internacionais. Muito embora haja um desdém da crítica esportiva americana
acerca da derrota de Indianápolis (isso é muito evidente no livro de McCallum),
o fato é que esse foi o primeiro sinal de que mudanças eram necessárias. A
derrota em Seul, por sua vez, deu tons claros aos criadores do basquetebol de
que a modalidade já não estava mais sob seu domínio. Foram vencidos em 1987 por
um time que jogou melhor, mas em 1988, foram vencidos por time efetivamente
melhor! As reuniões entre Boris Stankovic (FIBA) e David Stern (NBA) não
poderiam ocorrer em momento mais propício. Stankovic queria elevar o basquetebol
internacional ao nível dos profissionais americanos; Stern queria aumentar a
visibilidade (e garantir mais lucro) à NBA; e os EUA haviam perdido as duas
últimas competições disputadas com seus atletas universitários.
Não vou me ater a falar aqui sobre o indiscutível
impacto que o Dream Team causou no
esporte como um todo (penso que não apenas no basquetebol), pois preferi
dedicar este espaço para enaltecer outros responsáveis pelas mudanças ocorridas
no basquetebol internacional e que não podem ser esquecidos pela história.
O texto remete a lembranças esportivas históricas.
ResponderExcluirExcelente abordagem do assunto.
Independente do motivos, interesses ou quem estabeleceu a virada do jogo, o dream team cumpriu seu papel basquetebolistico e pq não dizer, tornou-se referencia e ganhou status mitológico.
Olá Guilherme!
ExcluirObrigado pela visita ao É Cesta!
Concordo com você que esse foi o mais fantástico time de basquetebol de todos os tempos. E por isso, achei no mínimo estranhas as tentativas de chamar o time que foi a Londres 2012 de novo Dream Team. Dream Team pra mim foi o primeiro. Depois disso, o "sonho" já havia sido realizado. Até Barcelona 1992, nós não achávamos viável existir um time que pudesse reunir as maiores estrelas do basquetebol do planeta. Hoje, sabemos que isso é natural. A seleção americana nos Jogos Olímpicos de Londres provou ser o candidato mais qualificado ao ouro entre todos os adversários, mas vê-los reunidos em quadra não era um sonho para nós.
Forte abraço!
Marcos, não consigo vir sempre aqui comentar, mas hoje parei pra ler e tecer meus comentários. Muito legal tua postagem, parabéns! Lembro bem desse time, foi quando comecei a me "fascinar" vendo esportes na televisão. E o "Dream Team" era um fascínio mesmo, não jogava, brincava! Um nível de profissionalismo acima de qualquer outra equipe/nação, mostrando que não é só a partir do treinamento que se formam atletas... Lembro de um professor de "Psicologia do Esporte" na UFSC, quando fiz a disciplina, que dizia (e eu ficava refletindo a respeito): "Vai chegar o dia que muitos atletas vão ver que não precisam treinar fisicamente tanto assim como treinam, e que a concentração ou as estratégias mentais farão mais diferença!" Ainda hj penso nisso. Mas em relação ao Dream Team, é porque eles eram únicos mesmos! típicos de uma época, como talvez Messa seja hj, quem sabe Neymar (se a seleção brasileira for bem na próxima Copa...), como foram tantos outros atletas que mostram um nível acima dos demais. Legal também vc relembrar o Ary Vidal, pois, lembro, quando adolescente, ele treinava um time em Santa Cruz do Sul/RS, e o basquete, na Globo local (RBS/TV), tinha espaço nos programas locais juntamente com o futebol (dupla Gre-Nal, dupla Ca-Ju, e o futebol do interior), com o vôlei (havia a Frangosul, depois a Ulbra, UCS etc...). Hj não vejo mais isso! só dá futebol! Não jogo basquete, mas penso ser uma das modalidades mais emocionantes e plásticas que existem. Continue trazendo essas discussões... o caminho é esse! um abraço, Cristiano!
ResponderExcluirOlá Cris!
ExcluirObrigado por mais uma visita comentada no É Cesta!
Muita gente passou a jogar ou simplesmente apreciar o basquetebol por causa daquele time. Mas, mais do que isso, penso que eles mudaram a cara do esporte em geral, desmistificando o profissionalismo no esporte olímpico.
Ah, tenho alguns jogos do Pitt Corinthians e Arcal Corinthians de Santa Cruz do Sul gravados na íntegra. Se você quiser posso disponibilizá-los.
Forte abraço!
Olá!
ExcluirSou de Santa Cruz do Sul e vivenciei por completo a melhor época do basquete do Corinthians. Tenho muito material em VHS e alguma coisa já digitalizei e postei no Youtube. O que exatamente você teria? Já está digitalizado?
Fiquei muito curioso e agradeceria demais por qualquer coisa que você tiver. Seguem links de 2 canais no Youtube com vídeos do Corinthians:
http://www.youtube.com/playlist?list=PL6270424A3E5FD69B
http://www.youtube.com/user/CorinthiansRS
Forte abraço!
Olá!
ResponderExcluirPor onde anda o pessoal do blog?