Passada a
euforia das disputas nos Jogos, podemos agora fazer uma avaliação dos eventos
ocorridos com a delegação brasileira em Londres, suas causas e consequências
para 2016. Este ano tive a oportunidade de assistir os Jogos Olímpicos de uma
forma diferente das outras vezes, consultando sistematicamente os comentários e
opiniões postados no twitter, facebook e nos mais diversos blogs
brasileiros. E pelo que li, permito-me ficar com a impressão de que ganhar uma
medalha olímpica é fácil, muito fácil, tamanha foi a quantidade de críticas ao
desempenho dos atletas brasileiros nas terras da rainha britânica. Terá sido
essa nossa pior participação olímpica? Não, não foi. Tampouco mostramos
evolução esportiva esperada em resposta ao investimento feito. Parece que daí é
que surgem os grandes desdobramentos que vão alimentar os debates dos próximos
quatro anos. Como devemos avaliar criticamente, sem ufanismos nem cornetagens, o
desempenho do “Time Brasil” em Londres? Quais os caminhos para nos tornarmos
uma potência olímpica? Quais são as barreiras ao desenvolvimento esportivo
nacional? Nossos atletas amarelam? Estas perguntas serão debatidas ao longo
deste e de outros textos que em breve estarão aqui no blog. Vamos começar...
O lendário
lema dos Jogos Olímpicos “O importante
não é vencer, mas competir!” parece ter sido interpretado de forma
equivocada por tantos anos. O velho Barão de Coubertin certamente não ficaria
satisfeito se seus esforços para reeditar o maior evento esportivo do planeta
se resolvessem numa pura e simples participação nas provas. Duvido! Competir é
disputar, é fazer o possível para conseguir o lugar mais alto do Olimpo. Ganhar
ou perder são consequências de um aglomerado de circunstâncias que precisam
atuar concomitantemente para que o sucesso seja possível. Por exemplo, o
nadador Bruno Fratus saiu das piscinas sem medalha no peito, mas fez o melhor
tempo de sua vida nos 50 m livre. No atletismo, a equipe de revezamento 4 x 100
m feminino bateu o recorde sulamericano da prova, mas não foi suficiente para a
medalha olímpica.

O handebol feminino também não passou das quartas de final, mas
hoje, embora não esteja no mesmo nível, já pode ser vista com respeito pelas
principais potências europeias da modalidade. Devemos considerar estes
resultados como sucesso ou fracasso?
E estes
outros: Maurren Maggi teve um ciclo olímpico irregular e intermediado por
lesões repetidas e uma intervenção cirúrgica. Por essa razão, não se esperava
medalha, mas nossa saltadora de ouro em Pequim fez falta na final do salto em
distância, no mínimo para botar pressão nas adversárias. Fabiana Mürer era a
mais forte candidata à medalha, visto seu retrospecto recente nos campeonatos
mundiais do salto com vara. Não ganhou medalha. Não foi à final. Não tentou o
último salto. Depois, saiu de lá como se tudo fosse absolutamente normal, como
se tivesse desistido de tomar um cafezinho por não ter sua marca de adoçante
preferida. E o glorioso futebol, esporte que se identifica com todas as camadas
da população?

O futebol, é bem verdade, merecia um capítulo à parte. Exagera
quem diz que o Brasil tinha o seu principal time e os adversários não. Nosso
time para 2014 não será aquele de Londres. Vai mudar goleiro, lateral direito,
zaga, volantes, meias, e talvez até os atacantes. Ou seja, muita água vai rolar
até a Copa. Este time nunca inspirou a plena confiança nem mesmo antes de
aportar na Grã-Bretanha. Ainda assim, jogou contra adversários mais fracos e
passou por dificuldades várias vezes. E aos olhos do mundo, não ganhou a prata,
mas perdeu o ouro. É bem verdade que ninguém imagina que vai começar o jogo com
1 x 0 para o adversário (gol aos 29 segundos de jogo!).

Mas para um esporte que tem
um milionário orçamento anual (o mais alto entre todas as modalidades) e que
está para o Brasil assim como o basquetebol está para os EUA, este interminável
jejum de ouro olímpico envergonha até o torcedor mais ufanista do país! Só pra
se ter uma noção, o basquete norte-americano tem 21 ouros (14 masculinos e 7
femininos), enquanto nosso futebol tem zero! Pra onde vai o planejamento e o
investimento de tantos anos?
Em minha
opinião, atleta olímpico não tem obrigação de ganhar medalhas, mas deve ter o
mais intenso desejo de conquistá-la! E quando você deseja algo de verdade, faz
o possível para conquistá-lo. E numa hora como essa me lembro do ensinamento do
maior de todos os treinadores de basquetebol da história, John Wooden: “Sucesso
é a paz de espírito proveniente da consciência de que você fez todo o esforço
possível para se tornar o melhor dentro do seu potencial”.
Por falar
nisso, e o basquete? Bom, o masculino disse a que veio. Penso que muitos ainda não
dimensionaram o que representou a simples classificação para Londres. Vejam, se
a classificação não fosse efetivada, o basquete brasileiro perderia não apenas
mais 4 anos, mas sim 8 anos para se reerguer, pois a vaga para Rio 2016 é automática e entraríamos desacreditados, como se tivéssemos
penetrado na festa pela entrada dos garçons. Precisávamos ganhar a vaga na
quadra, jogando, e não burocraticamente por ser o país sede. Precisávamos
merecer nosso lugar no torneio olímpico. E depois de três ciclos olímpicos de fora (não gosto da conta de “16 anos fora” para um evento que só ocorre de 4
em 4 anos!), voltamos.

O grande
mestre Prof. Wlamir Marques fez (em minha opinião) o mais lúcido e atento
comentário sobre a equipe brasileira nos Jogos ao ressaltar que não fomos a
Londres para ganhar medalha, e sim para resgatar a imagem do basquetebol
brasileiro no cenário internacional. Visão de quem já ostentou no pescoço duas
medalhas olímpicas e dois títulos mundiais! Então, professor, missão cumprida!
Poderia ter sido melhor? Claro, sempre pode ser melhor. Entretanto, a base do
trabalho para a próxima vez está consolidada e creio que os frutos devem ser
colhidos ao longo dos próximos dois ciclos olímpicos. Por outro lado, o
feminino saiu daqui desacreditado, chegou lá desmembrado, e voltou pra casa
derrotado. Temos um problema que parece de difícil solução em curto prazo: não
temos adversários na América do Sul! Isso mascara sobremaneira as limitações de
nossos times. Precisamos de uma Liga Sulamericana de clubes forte, precisamos
de intercâmbio com países europeus. E precisamos que a Liga de Basquete Feminino decole! E
isso é só ponta do iceberg.
O que está
abaixo da linha d’água, a parte submersa do iceberg, é o maior de todos os
problemas. Mas ao mesmo tempo, penso que não seja. Vou dar o exemplo de duas
modalidades cujas Confederações parecem ter encontrado soluções para enfrentar os
desafios do desenvolvimento esportivo. O judô levou 14 atletas a Londres,
colocou 11 deles entre os oito melhores do mundo e ainda se fez presente em quatro
pódios. O vôlei (quadra + praia) disputava seis medalhas, ganhou quatro, e
mais, continua a manter-se entre os seis primeiros do mundo desde de 1980 no
masculino e de 1988 no feminino. Foram 11 medalhas somente nas últimas três
edições de Jogos Olímpicos, sendo quatro ouros. Para agravar a situação, o vôlei de quadra é a única modalidade
coletiva brasileira a ouvir o hino nacional nos Jogos Olímpicos! Foram
quatro títulos de campeão olímpico desde 1992 em Barcelona. E até agora,
ninguém mais repetiu o feito. Na praia, que é olímpica desde 1996, o Brasil
nunca deixou de marcar presença nas cerimônias de premiação. O que me deixa incomodado
é que o vôlei em tese tem as mesmas dificuldades e limitações operacionais que
o basquete (inclusive a disputa de público com o futebol). Mas como o vôlei
conseguiu atingir e permanecer na elite mundial do esporte e o basquete não?

Já comentei
outras vezes aqui no É Cesta! que a formação dos dirigentes esportivos é um
fator fundamental para o crescimento esportivo do país no longo prazo. O vôlei
e o judô entenderam isso faz muito tempo, mas parece que as demais modalidades
ficaram vendo o bonde passar e não aproveitaram as mesmas oportunidades. A
Confederação Brasileira de Voleibol tem um centro de treinamento especializado
e bem estruturado, cursos de capacitação de professores e treinadores em todo o
país, planejamento comercial (marketing) eficiente, e de forma mais ousada, a recém-criada
Universidade Corporativa do Voleibol, que pretende formar profissionais para as
mais variadas funções associadas à excelência da performance da modalidade no
país.
O que aprendemos
em Londres é que o caminho para o desenvolvimento do basquetebol e do esporte brasileiro
em geral estava logo aqui ao lado e o tempo todo, mas ninguém se tocou!
O pior cego é aquele que não
quer ver...